Autoajuda

Recentemente, em um vídeo no site Garota Sem Fio (veja aqui), a blogueira Bia Kunze entrevistou uma profissional que montou um espaço de coworking. Não vou ficar me alongando nessa parte, mas, lá pelos 21:50, a entrevistada disse uma coisa que me fez pensar: ela comentou sobre como essa coisa de deixar o próprio emprego, partir para o empreendedorismo e tal tinha virado uma espécie de "salvação da lavoura".
Eu ando lendo muito, na Internet, pessoas escrevendo artigos (às vezes, longos) sobre largar tudo e viajar pelo mundo, mudar de emprego a cada dois ou três anos, terminar relacionamentos ao menor sinal de problemas, etc, etc, etc... O ponto em comum desses artigos é: mude toda hora!
Aliás, não, minto, são dois pontos em comum! O supracitado e o, como direi, "você é o único responsável pela sua felicidade" (a tal autoajuda).
Mas, enfim, quando a moça da entrevista láááá do primeiro parágrafo disse o que disse, meio que me deu um clique, tipo, caiu uma ficha em relação a tudo o que eu estava lendo. E eu olhei para trás e para a frente.
Eu cresci com o meu pai trabalhando na mesma firma, sempre (tenho 42 anos). Ele conseguiu criar dois filhos (além de um cachorro e um monte de gatos). E vive uma velhice até que confortável.
Esses caras que vendem tudo e saem por aí em nome de um suposto aperfeiçoamento pessoal, de uma busca pela felicidade, o que eles vão criar? Memórias? Como eles vão construir algo para o futuro?
E eu olhei para mim e pensei: se eu largasse tudo hoje e fosse por aí, digamos, se eu passasse um ano viajando pela Ásia, ou pela Oceania, ou mesmo pela Europa, o que eu construiria? E quando eu voltasse para casa? Eu ainda teria a minha casa, para começo de conversa? Eu conseguiria um emprego novo? Eu tenho 42 anos, se eu saísse para um ano sabático, como eu iria me recolocar no mercado, depois? E mesmo não falando de viajar pelo mundo, se eu largasse meu emprego em troca dos meus sonhos?
"Ah, mas fulano conseguiu, sicrano viaja o mundo de barco com a família, beltrano abriu uma startup..."
Será que não são exceções? Será que as histórias que não dão certo seriam destaques em sites, blogs, portais? Quantos não foram abrir o próprio negócio e se deram mal?
As histórias que eu vejo de gente que partiram para o tal ano sabático, geralmente, são histórias de gente com MUITO dinheiro e/ou um patrocinador. Gente que tem reservas ou costas quentes, de modo que "arrisca" deixar tudo porque sabe que, no final, se der errado, tem como recomeçar.
Mas e as pessoas comuns? Um assalariado como eu, se eu jogar tudo para o ar e partir para uma vida de aventuras, o que acontece comigo se der tudo errado? E, mesmo que dê certo, como fica a vida, depois?
Viajar pelo mundo levando a família? Como é que você vai dar educação, escola para seus filhos? Aliás, nesse caso, você estaria NEGANDO uma vida normal para seus filhos: amizades duradouras, a turma da sala, o pessoal da rua. Passa um tempo num lugar, vai para outro, e outro, e outro, e outro...
"Ah, meus filhos vão ser cidadãos do mundo, pessoas com uma visão mais globalizada, mais aberta para novas culturas, mais abertos às diferenças..."
Hum, pode até ser. Mas pode ser também que eles fiquem perdidos no mundo, sem saber a que lugar pertencem. Sem amizades verdadeiras. Sem poder criar relacionamentos duradouros.
E, saindo da coisa da viagem para a coisa de ir atrás dos sonhos, mesmo ficando em seu lugar, tipo, você largaria seu emprego para virar pintor? Cantor? Que tal não ser tão radical e transformar isso num hobby?
Sabem, largar tudo em nome dos sonhos, da verdadeira felicidade, da busca pela iluminação pessoal é muito bonito, mas, no fundo, no fundo, só funciona em filme! Claro que há exceções, mas, justamente, elas estão aí para confirmar a regra! A realidade é outra, gente, e requer dinheiro na conta do banco, para se ter o mínimo de segurança e tranquilidade. Que são as bases da vida de verdade!
O resto é ilusão!
Tanto que, de algum tempo (não muito) para cá, eu já vi uma ou duas pessoas publicando textos sobre esse outro lado. Quem sabe está vindo aí uma conscientização, um contraponto a essa cultura questionável de buscar a felicidade por meio da instabilidade?
PS: o termo "autoajuda" me causa muita estranheza. Afinal, se você precisa de ajuda, é que porque não está dando conta do recado sozinho, então, como é que vai ajudar você mesmo?

Comentários

Unknown disse…
Adorei, do início ao fim!
Fabiano disse…
Valeu, Aline! =)