O Fim.

Aqui no Brasil, a gente cresce ouvindo três coisas que são consideradas verdades imutáveis.
A primeira é que nada funciona direito por aqui. Seja no transporte público, telefonia, água, qualquer coisa. Não funciona direito e não vai funcionar. Tem até a clássica frase "ninguém faz nada direito neste país", que é um tanto quanto injusta, se a gente pensar que tem gente que faz, sim, as coisas direito, por aqui. Há pessoas que são corretas e se esforçam para que tudo seja feito do jeito que deve. E é também um tanto quanto estranho ouvir essa frase proferida por brasileiros: afinal, se ninguém faz nada direito por aqui, isso inclui quem falou a frase! Será que uma pessoa dessas se acha superiora, diferente?
A segunda coisa é que os políticos brasileiros são corruptos. Todos. Direita, Esquerda, Situação, Oposição. Tenho 40 anos, já vi o poder trocar de mão algumas vezes, em várias esferas, e tudo continua ruim. É, acho que essa verdade é verdade, mesmo. Pelo menos, ainda não vi nada que contrarie isso.
A terceira é que o Brasil é o país do futebol. Somos os mais apaixonados pelo esporte e somos os melhores nele. Afinal, somos os únicos pentacampeões, certo?
Era certo, até este amaldiçoado 8 de julho de 2014. Ou talvez já não fosse certo antes. Mas o ponto é que a seleção brasileira foi humilhada sem dó, nem piedade. Humilhada como time pequeno, como seleção pequena, porque dois jogadores não puderam entrar em campo, num elenco de 23.
Em 1914, começou a História da nossa seleção. Nunca ela havia sido derrotada desse jeito, nunca tivemos que passar tamanha vergonha, tamanha humilhação! Perdemos em 50 e em 82, mas, nessas ocasiões, nós lutamos! Nós reagimos, demos trabalho para o adversário, até tivemos chance de ganhar!
Em 2014, fomos humilhados em menos de 30 minutos. Uma seleção que já teve Pelé, Garrincha, Sócrates, Zico, Romário, Ronaldinho, reduzida a time de várzea em menos de meia hora!
Foi a maior derrota da seleção. Mais: foi a primeira vez que um país anfitrião foi goleado desse jeito!
Isso é o Fim.
Fim no sentido de ser a prova definitiva de que o que nós fizemos antes não tem mais efeito nenhum. 58, 62, 70, 94 e 02 não servem mais para nada! A memória dos nossos craques passado não nos estimula mais.
Não existe mais nada. Só os quadros na parede. Só velhas fotos de um tempo melhor, mas que já se acabou.
O Fim.
Daqui por diante, vai ser do zero. E talvez seja apenas o zero! Porque a cbf está preocupada com políticas e dinheiro, não com trabalho de base, não com fortalecimento dos campeonatos nacionais, não com a formação de novos técnicos e jogadores.
Temos o zero, apenas o zero.
Muito se falou, depois do jogo, do exemplo da própria Alemanha, que, depois de 2002, fez todo um trabalho para se reerguer - o que parece estar dando certo. Pode ser que o Brasil também consiga se reerguer.
Mas lembrem-se do Uruguai: primeiro campeão olímpico, primeiro campeão do mundo, em casa, em 1930, bicampeão depois, aqui no Brasil, em 1950. O que eles conseguiram, depois disso?
Do jeito que está hoje, o Brasil ficará como o Uruguai. Nunca mais ganharemos nada. Não adianta falar em 2018, 2022, 2026. Acabou. Temos cinco títulos, mas seremos passados por Itália, Alemanha, no curto prazo, e por Argentina, França... Talvez até a Holanda, que está sempre batendo na trave, mas que tem um bom time, acabe por nos passar.
Porque eles vão continuar progredindo, nós, não.
Um fim não é um novo começo. Um fim é um fim, apenas isso. Não é porque algo acabou, que vai ser necessariamente substituído.
E agora?
Bom, por ora, guardemos luto. Perdemos, somos os derrotados, os humilhados, os fracassados. Pelo menos até sexta, tiremos as bandeiras, as camisetas verde-amarelas. Vamos usar preto, caminhar de cabeça baixa e aguentar as gozações. "Vida que segue", como diria João Saldanha? Bem, as coisas vão continuar acontecendo e nos empurrando para frente, mas o certo, mesmo, seria a vida parar.
Mas, já que não vai parar, mesmo, a partir de sábado, com ou sem o terceiro lugar, vamos começar tudo de novo. Mesmo que a gente não ganhe nada, nunca mais, somos brasileiros. Éramos antes do Mineirazzo, fomos durante, somos depois e seremos sempre.
Agora, por mais que se diga o contrário, somos mais pobres. Porque, mesmo vivendo em um país que mal consegue se manter no chamado Terceiro Mundo, tínhamos UMA coisa da qual podíamos nos orgulhar, com a qual podíamos contar, que fazia os outros países olhar para cima, para falar conosco.
Éramos os melhores do Mundo no futebol. A partir de hoje, só sobraram duas verdades imutáveis por aqui. Somos um país pior.

P.S.: meu avô viu o Maracanazzo e a Tragédia de Sarriá. Eu vi a Tragédia de Sarriá (junto com meu avó, aliás) e, agora, o Mineirazzo. Infelizmente, agora tenho também duas tristezas futebolísticas que vão me acompanhar para sempre.

P.S.2: além da imperdoável atitude de gritar olé em jogadas da Alemanha, teve uma coisa MUITO PIOR, hoje! Queimaram uma bandeira brasileira! É! Queimaram a própria bandeira! Tem coisas mais imperdoáveis que outras! 

P.S.3: Aliás, minha lista de contatos no Facebook vai dormir mais leve, hoje. E teve duas pessoas que eu não exclui por profundo respeito, apenas.

Comentários

Roberto Bechtlufft disse…
Ótimo o seu post, Fabiano.

Eu confesso que desde aquela infame final contra a França em 98 perdi a fé no futebol. O jogo foi tão descaradamente comprado e eu me senti tão traído por toda a minha tensão e a minha torcida ao longo do mundial que nunca mais consegui torcer em um jogo de futebol.

Geralmente eu sou apenas indiferente às copas (só porque não ligo para futebol não é motivo para torcer contra), mas desta vez até fiz graça no Facebook -- não com os torcedores, mas com a situação. O que você disse no post está certíssimo: um fim pode ser apenas um fim, e já vem sendo anunciado há muitos anos. Para mim, tudo acabou em 98; presumo que para muita gente tenha acabado ontem.

Eu acredito que não é a esperança a última que morre, mas sim o senso de humor: depois que você está irremediavelmente perdido, ainda resta rir da própria desgraça, e por isso eu faço as minhas piadinhas (espero não tê-lo ofendido, fico feliz por não ter sido um dos excluídos). A verdade é que o meu estoque de tristeza futebolística acabou em 98. A única coisa que realmente me entristece é ver toda essa garotada, como o seu sobrinho e o meu, sofrendo o que eu já sofri um dia.

Enfim... bola pra frente, né? Um abraço e força aí para o seu sobrinho!